• 3. Parte 03

    De tarde, na saída da escola de inglês perto da sua casa, Deia viu uma cena que mexeu com ela, o vizinho Vicente, um garoto que usava os cabelos compridos, foi chamado de menina por dois moleques mais velhos que ainda chutaram a mochila dele para longe. Enquanto a garota atravessava a rua para ir ajudar o menino, uma cachorrinha passou perto dele e foi ela quem recebeu um enorme chute de Vicente, como se a culpa fosse dela dos rapazes o terem atacado.

    — Não! — gritou Deia — e foi fazer carinho no animal que não havia feito mal a ninguém. Virou-se para falar com Vicente, mas o rapaz já seguia de cabeça baixa pela rua. — Ele sofreu e fez o outro sofrer também. Como podiam se sentir melhor causando a dor em outro ser?

    A menina não conseguia dormir naquela noite, rolava na cama, era como se houvesse um buraco no estômago e a garganta latejava como se estivesse inflamada, mas não tinha doença alguma, parecia mais que estava engasgada com algo, mas não era nada que comera, sentia-se mal, deprimida, pensava que nada disso estava certo. Alguma coisa estava acontecendo na sua escola que não era diferente do que ocorria na sua vizinhança, nem na cidade. Até lembrou de uma vez que sua prima Talita chorava de soluçar na casa dela e a tia buscou Deia para tentar alegrar a sua filha. Quando ela perguntou qual era o motivo dela estar assim, Talita contou que as meninas da sua turma de ballet a chamaram de baleia e não queriam que ela participasse da apresentação que fariam no teatro.

    — Como assim? A apresentação é sua também! Você ensaiou o ano todo. Fala com a professora... As pessoas não podem ser tratadas assim porque o corpo é diferente, cada um é como é.

    — Vai ser pior, deixa prima, quando chegar o dia, eu falo que estou doente e não vou. Não conta nada pra minha mãe, hein! Deixa, quieto, senão não vou aguentar elas e vou ter que largar o ballet que eu tanto amo.

    E Deia deixou passar, mas isso, de tempos em tempos, a incomodava, como uma alfinetada no coração. Depois, do tal dia da apresentação no teatro, que Talita não foi, Deia organizou uma apresentação dela para a família. Mas, no fundo, no fundo, sentia que deveria ter feito mais. — Por que todos não podiam conviver em paz? Quem disse que todos têm que ser iguais ou terem o mesmo corpo, tipo de cabelo, religião ou tom de pele? — E foi pensando nisso que percebeu que a paz também podia ser aceitar as diferenças e que era bom que elas existissem porque todo mundo sendo igual, agindo da mesma forma, se vestindo do mesmo jeito, ouvindo as mesmas músicas, seria muito chato e todos pareceriam robôs. A diversidade fazia o mundo ser mais colorido.

    E neste instante, palavras escapavam da sua mente, enchendo o ambiente do quarto, como que escritas com o ar da respiração da garota: PAZ É ACEITAR AS DIFERENÇAS e NÃO JULGAR.

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